segunda-feira, 22 de setembro de 2008

Estava eu... revirando o passado

Apesar de ser basicamente organizado, não encontro algumas coisas que guardo. Estou muito preocupado com o comprovante da declaração do imposto de renda, que não está em lugar algum. Outra coisa que me preocupa é um certificado de um curso dado nas dependências do meu atual emprego, a menos de 1 ano, que simplesmente sumiu dos meus arquivos.

Revirei as gavetas de documentos esta tarde, em busca de tais pertences, e obviamente não encontrei nada. Odeio não encontrar algo que tenho certeza ter guardado. Entretanto, revirar estas gavetas me fez encontrar outras coisas.

Dentro de uma pasta recente, juntamente com certidões de nascimento minha e da Faby, estava nossa certidão de casamento. Lá, intacta na gaveta, ela adorna a nossa vida de certezas. É como a certificação de que um dia, pelo menos naquele dia, estávamos tão certos do amor que sentíamos a ponto de afirmá-lo civilmente. Tal documento foi devidamente manuseado e relembrado por nós dois.

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Entre diversos materiais de eletrônicos, que guardo no intuito de utilizar para projetos futuros, encontrei duas fitas cassete muito velhas. Lembrava vagamente do que podia se tratar e separei tais fitas na arrumação. Depois de ter certeza de que o que eu estava procurando não estar ali, decidi ouvir as fitas.

O primeiro desafio foi encontrar um toca-fitas. Ta bom, ta bom, eu sou velho mesmo, eu sei. Com a tecnologia digital avançando tão rapidamente que não se vende mais toca-fitas em aparelhos de som, o jeito foi revirar os meus velhos alfarrábios na garagem. O meu velho Micro-sistem Philips na garagem me auxiliou mais uma vez, talvez a última. Ele tem tantos mal-contatos que desisti de conserta-lo um dia. Pelo menos serviu para alguma coisa ainda.

A primeira fita era um antigo presente de um amigo. Um presente tão velho que eu não entendo como ainda funcione. Diversos sons que marcaram a nossa juventude recente em uma única fita, gravada no antigo som da casa dos pais dele. Lembrei algumas músicas e depois parei. Decidi que algumas coisas do passado devem ficar no passado. A Faby me ensinou isso com sua eloqüência e seu amor.

A segunda fita foi para o deck e por instantes eu torci para que fosse o que eu pensava ser. Ao apertar o play, uma janela se abriu em nossa cozinha, nos transportando para o pequeno quarto das crianças, na antiga “casa amarela” 5 anos no passado. A fita começa com pequenas canções infantis, canções de ninar ou simplesmente canções inventadas e cantadas pela Lulu, quando tinha apenas 5 aninhos. Além do registro da voz, que no início confundimos com a da Rafinha atual, temos o registro de alguns erros infantis de linguagem que até pouco tempo lembrávamos. Um registro especial para mim, que operava o som na época por segurança, é de que um dia, sem a pressão do pai biológico, ela me chamou de pai. Isso me trouxe lágrimas aos olhos.

Logo depois nossas vozes, minha e da Faby ao fundo, rindo e comentando sobre as canções. Minha voz aparece derrepente: “Essa é a voz da Rafaela aos 7 meses”. Logo depois de um estalo começa uma risada de bebê, inconfundível. Ela segue por quase 5 minutos e então outro estalo, sem registro da época. “Fala bebê”...

Minha voz e meu jeito de papai coruja me remete a sensação indescritível daquela época. Um pai jovem e sem recursos, lutando para dar o mínimo para sua família. Ela balbucia muitas coisas nessa fita, feita ao longo de quase um ano no antigo gravador do quarto. Fala “Papa” e “Mama” nitidamente. Chama nosso antigo cachorro e faz diversas manhas. O registro do “Exe?” quando queria saber se estava com a coisa certa na mão.

Papai e mamãe coruja embalam novamente a fita e dizem um para o outro: “Vamos guardar para sempre, talvez digitalizar”. Guardamos a fita mais a mão agora, para poder lembrar mais fácil. Se bem que acho que estas memórias nunca vão sair da minha mente.

sábado, 9 de agosto de 2008

Estavam eles.

Papai É O Maior

Prólogo

O amor que um torcedor dedica a um clube de futebol só pode ser compreendido por quem o sente, restando aos outros uma sensação de certa estranheza ou, por vezes, uma altiva incompreensão. Mesmo aos que compreendem, no entanto, é difícil a tarefa de uma explicação racional, que tente clarear em palavras tal fascínio, tal encanto que uma agremiação esportiva dedicada ao futebol, desperta no torcedor.

Não me utilizaria da expressão de Nélson Rodrigues, um apaixonado por futebol e pelo seu Fluminense, que chamaria os que pautam a vida no pragmatismo como "idiotas da objetividade" (o que, a esta altura da frase, já soa hipócrita, concedo), mas arrisco-me a apresentar ao leitor uma simples metáfora, que se não nos trará qualquer entediante interpretação antropológica aplicada às causas, trará, quem sabe, alguma compreensão sobre os efeitos deste fenômeno: o amor a um clube de futebol é como o amor a um filho.

Guardam-se na comparação, obviamente, as devidas proporções de importância de cada parte, fato inerente para a interpretação de qualquer metáfora. Meus argumentos: o amor que sentimos por um filho inclui uma instintiva e permanente torcida para que ele consiga alcançar todos seus objetivos e sonhos, sejam eles modestos ou grandiosos. Cada vitória conquistada, de uma prova de colégio a um concurso público; em uma entrevista para um concorrido emprego, em um campeonato de qualquer esporte, ou mesmo em um sorteio; seja a disputa baseada na própria superação ou na superação de outros concorrentes, tendo sorte ou competência como critério de escolha; todos esses sucessos são recebidos pelo pai (ou pela mãe) como sua. Como se ele próprio tivesse colhido os louros do triunfo obtido pelo filho. A felicidade do filho é a sua felicidade. Por outro lado, quando qualquer derrota ou insucesso ocorre, o pai toma para si boa parte da decepção do filho. Não como quem reclama ou critica, mas como quem se sente, também neste momento, na pele do filho. O amor do pai, contudo, independe de quantos foram os objetivos conquistados ou quantas foram as derrotas. É e será sempre o mesmo: abnegado e inabalável. Por conclusão, derrotas e mesmo as almejadas vitórias, são apenas acessórias ao sólido e estruturado amor de pai para filho.

O amor a um clube de futebol possui as mesmas implicações citadas no parágrafo anterior. Um torcedor devota carinho e admiração por seu time independentemente do sucesso deste pelos gramados. É certo que, também do lado de cá da metáfora, derrotas são sentidas e lamentadas, mas logo digeridas quando da compreensão de que se trata de, afinal, apenas um jogo. Grandes vitórias e títulos, por sua vez, vêm apenas enfeitar e pôr ainda mais em evidência o orgulho pelas cores do time. Mais uma vez, nota-se o sentimento da alegria do admirador pelo sucesso do admirado, como se o triunfo fosse, também, dele.

Evidentemente, existem alguns exemplos de desvios e excessos, quando o amor flerta demais com a paixão, e falta a consciência de que uma disputa precisa de perdedores para eleger vencedores. Entendo, entretanto, que tais distorções constituem apenas às exceções que confirmam minha teoria como regra. E se há melhor modo de fazer-se compreender como vejo o sentimento de amor a um clube de futebol, confesso que me falta método e competência para elaborá-lo.


I - Jornais, tintas e pincéis

Em geral, não era tão fácil ser brasileiro nos anos 70, quando corriam os chamados "Anos de Chumbo". Sobretudo se o sujeito simpatizasse com um líder trabalhista como Leonel Brizola, exilado à época no Uruguai. Cláudio Cavalheiro Gonçalves, brizolista convicto, teve no seu modo de vida discreto e não panfletário politicamente a garantia de segurança para si e para sua família, deparando-se apenas com as eventuais e protocolares vicissitudes na vida de qualquer pessoa, ao menos no que se refere à década de 1970. Portoalegrense, motorneiro, pintor-letrista, morava com a esposa e os filhos no bairro São João. Era fã de Nélson Gonçalves e do Sala de Redação. E gostava muito de futebol, o que aliás torna determinadas coincidências atraentes, por mais que continuem sendo apenas coincidências, como a que revela o fato de que nascera em 1930, ano em que foi organizada a primeira Copa do Mundo. Sua paixão pelo jogo de futebol, entretanto, não elegia seleção nacional alguma como capítulo principal, mas sim, o que conta sua ligação afetiva com o Sport Club Internacional.

Era muito fácil ser colorado nos anos 70. Na histórica e aparentemente inesgotável rivalidade esportiva entre o Intermacional e o Grêmio, o outro grande clube de futebol do estado do Rio Grande do Sul, o protagonismo muda quase que invariavelmente da mão de um para o outro. Gremistas e colorados, ano a ano, com raro tempero da vitória de uma terceira equipe, disputam a supremacia regional. Até a metade dos anos 70, o título do Campeonato Gaúcho representava o limite do que os times daqui conseguiam conquistar. É nesse cenário que Cláudio vê grandes momentos do seu Colorado. Acompanhando todas as partidas do Inter quanto pudesse, tinha no radinho uma parceria inseparável, seja quando ao Beira-Rio fosse, seja quando escolhesse torcer em casa, na companhia da família.

Do Beira-Rio presenciou a gestação e o nascimento. Foi um dos muitos colorados a acompanhar e a ajudar na construção do estádio, quando cada tijolinho ou saco de cimento doados eram um pequeno regalo motivado pelo amor ao clube alvirrubro. Além de torcer, muitas foram as vezes em que fora ao estádio também incrementar a renda da família, vendendo faixas, bandeiras e toda sorte de materiais relacionados ao Inter antes dos jogos. Desse ofício, inclusive, surge episódio pitoresco que convém contar. Era dezembro de 1975 e o Inter decidia o título nacional no Beira-Rio contra o Cruzeiro de Minas Gerais. Apreensivo como apaixonado colorado e responsável como dedicado pai de família chegou cedo ao estádio para vender seus artigos de torcida. O entusiasmo que a final inédita causava refletiu em boas vendas nesse dia, mas o verão gaúcho cobrou seu preço quando Cláudio deu por encerradas as vendas e, perto do início da partida, passou a portar-se exclusivamente como mais um esperançoso colorado. O estádio estava lotado e achar um lugar nas arquibancadas no meio da multidão, ainda mais carregando o material que não fora vendido, era tarefa difícil, restando para Cláudio não mais que um lugar apertado atrás de uma das goleiras, onde ficaria exposto frontalmente ao sol forte. Era o caso de se lamentar profundamente acompanhar aquele jogo histórico em tais condições. Mas o final da tarde se aproximava com o segundo tempo da decisão, e o sol começava a se pôr, esquivando sua luz para fora do estádio. Restava, porém, bem à frente de onde Cláudio estava, um único feixe de luz, que alcançava o gramado através de uma janela do alto do Beira-Rio, projetando-se no exato espaço onde o zagueiro Figueroa subiria para fazer de cabeça o gol do campeonato. Era o que seria lembrado depois como o "gol iluminado". Era o gol do título brasileiro.

Falar da família de Cláudio, ao menos futebolisticamente, é continuar falando, majoritariamente, do Internacional. Não se sabe bem se por influência ativa do pai dedicado ou meramente por uma espécie de determinismo causado pelo ambiente, mas o fato é que não só Ariocilda, sua esposa, era colorada, como também os filhos José Júlio, Alice, Lúcia Helena, Elizabete, Leonel e Neusa também o eram. Somam-se ainda a Ana Cláudia e a Vera Maria, que viriam a nascer no decorrer dos anos 70, mas que em algum momento seguiriam a mesma predileção clubística do pai e seriam torcedoras do Inter. Mas... Mas "majoritário" nunca quis dizer "unânime". O grupo de nove irmãos completa-se com o Moacir.


II - Meu coração por um doce

As circunstâncias da escolha de Moacir pelo Grêmio são incertas. No entanto, sendo baseada em algo de factual ou fruto apenas do maldizer de seus irmãos colorados, reza a lenda que seu coração era vermelho e branco mas transformou-se em tricolor sob a sedução de um doce. O rapazinho Moacir tinha em seus poucos cinco ou seis anos a razão de porque teria sido uma presa fácil. A aliciadora, por assim dizer, atendia por Dona Marica, uma gremista fervorosa cujos netos, já crescidos, tomavam conta de uma confeitaria vizinha à casa dos Gonçalves.

O jovem Moacir prestava pequenos serviços ao estabelecimento, recebendo, em troca, alguns trocados ou doces. Conta a versão "colorada" da história que certa vez Dona Marica, aproveitando-se do ofício dos netos e do interesse juvenil de Moacir, mexeu com a cabeça do menino.

Corruptora Dona Marica, conforme o relato, ao escolher a moeda do suborno valeu-se de massa folhada, certa quantidade de gemas de ovos, farinha de trigo, leite, margarina, baunilha, sal e açúcar. Com efeito e algum esmero, tinha-se então o produto, conhecido não só à época mas também atualmente como "mil folhas", e ante ao qual o pequeno Moacir teria fraquejado.

Mas pode não ter sido nada disso, e o sentimento de Moacir pelo Grêmio seja apenas mais uma prova do quão difícil é procurar qualquer tipo de explicação fácil para o amor ao futebol, que nesse caso, não teria encontrado resistências no ambiente natural e predominantemente, para ele, adverso.


III - Dois gigantes, apenas uma taça.

Não era fácil ser gremista na década de 70. A supremacia estadual parecia obedecer a um revezamento, e parecia haver chegado novamente a vez do Internacional. Viria a substituir uma outra, neste caso tricolor, que dominou o futebol gaúcho nos anos 60. De 1962 a 1968 o Grêmio conquistou todos os títulos, construindo o heptacampeonato. A série consecutiva superava o recorde anterior do Internacional, obtido entre 1940 e 1945 com seis títulos seguidos, e por uma equipe que viria a ser consagrada como o "Rolo Compressor".

O domínio gremista terminou em 1969, ano da inauguração do Beira-Rio, quando o Inter reconquistou o título gaúcho depois de sete longos anos. O que parecia aos olhos dos apaixonados gremistas como apenas um hiato em sua seqüência vitoriosa, porém, não se confirmou. O Internacional ganharia também os títulos de 1970, 1971, 1972, 1973, 1974, 1975 e 1976, formando uma série ainda maior de títulos: o octacampeonato. O bicampeonato nacional do Inter, construído em 75 e 76, traria ainda um título inédito até então para os clubes gaúchos. No grande caldeirão de emoções que envolve a paixão pelo futebol, a rivalidade é um dos mais fortes ingredientes. Nessa relação em particular, definitivamente, não era fácil ser gremista.

Não era fácil para Moacir, em que cuja passagem da infância para a adolescência atravessaram-se os anos de jejum de seu time do coração. As gozações e os deboches na escola, por vezes, resultavam em algum atrito. A provocação em casa também existia, vinda de seus irmãos. Mas não vinha de seu pai. Cláudio não era dado à parte da rivalidade fundamentada nas "flautas" ao adversário, no deboche aos derrotados, o que, em doses controladas, é visto até com bons olhos pela maioria. Em seu caso, a satisfação de ver seu time jogar era combustível suficiente para manter o antigo amor ao clube. Aqui tínhamos um caso onde o amor sobrepõe-se ao viés mais radical da paixão, que com rédeas soltas (vemos hoje e cada vez mais), às vezes acabam em exaltações de ânimo, brigas e inimizades. E se Cláudio optava não ser assim mesmo com seus colegas de trabalho, menos ainda seria com um de seus filhos. Exageros nas brincadeiras entre os irmãos, inclusive, eram fiscalizadas e controladas pelo próprio Cláudio, que nessa jurisdição adotava exemplar neutralidade.


IV - Por Uma Cambalhota

O ano era 1977 e os maiores favoritos ao título gaúcho eram os mesmos de sempre: a dupla Grenal. Mas a série ininterrupta de oito títulos colorados trazia um certo favoritismo ao Internacional, o que veio se confirmar ao final do primeiro turno do campeonato, vencido pela equipe alvirrubra. O Grêmio, porém, mostrou-se determinado a acabar com os anos de jejum ao vencer o segundo e o terceiro turnos, levando para o estádio Olímpico a grande decisão do título.

Na vida de qualquer amante do futebol, dia de final de campeonato com o clube de coração envolvido é dia de certa ansiedade e expectativa. Quando se tem na partida final um clássico como o Grenal, o envolvimento torna-se inevitavelmente ainda maior. Não era diferente na casa de Cláudio, não obstante ele já ter herdado dos anos vividos e dos muitos jogos, a sabedoria que talvez falte a uma criança ou um adolescente, a de perceber-se que, seja qual for o resultado, trata-se apenas de um jogo. No solitário lado gremista, Moacir principiava justamente a sua passagem pela adolescência, o que explica que ainda não tivesse, pela ainda pouca idade, a devida ciência de equilíbrio no choque entre uma disputa esportiva, a paixão e suas implicações. Natural então porque fremia-se de expectativa, esperando ser esta a vez do Grêmio, a sua vez, a sua vitória. Não mais as campanhas insuficientes para que fossem dele e de seu time o triunfo. Desejava, Moacir, e talvez acreditasse ser quem mais pudesse desejar, que finalmente seria seu o sorriso e a euforia dos orgulhosamente vitoriosos.

Iniciado o Grenal que decidia o título de 1977, o radinho repousava sobre a mesa da sala dos Gonçalves a contar cada lance da grande final para atenta audiência. Cada um a imaginar os chutes a gol, as faltas, as defesas, os passes narrados pelo locutor esportivo. A certa instância do jogo irrompe na casa um grito. Vinha do rádio, mas logo viria também de alguém naquela casa. Era o gol do Grêmio, era o gol de André Catimba, era o gol do título gaúcho de 77 para a equipe tricolor. Anunciado o fim da partida, a euforia que em hipótese alguma seria unânime tomou conta do lado menos numeroso. Moacir vibrava tomado da mais genuína felicidade e soltava o grito de orgulho que há tanto tempo esperava uma ocasião de triunfo. Era a festa do Grêmio, oito anos depois. Era a festa do jovem Moacir, apaixonado gremista campeão.

Tanta era a felicidade, que não notou de pronto, no meio da espontânea inebriação do êxtase, quando o pai de Moacir dirigiu-se a ele. Tomando consciência pode ouvir do velho Cláudio:

- Vamos!
- Vamos aonde?, perguntou o pequeno Moacir, coração a ponto de fugir-lhe do peito.
- Para a Benjamim, ora! Pega tua bandeira para ir comemorar!

E foram então os dois para a Benjamim Constant. Moacir de mãos dadas com o pai, bandeira tricolor na mão a tremular e fita alusiva ao título na cabeça.

Um dia memorável para Moacir. Histórico para o jovem torcedor e inesquecível para o filho. Filho que por muito e muito tempo, se possível por todo o sempre, cantaria convicto de ter toda a razão, sem medo algum de ferir seu amor pelo Grêmio, que "Papai é o maior, papai é que é o tal".

Feliz Dia dos Pais.



(Baseado, com adaptações, em fatos
reais. Cláudio é meu avô e Moacir é meu
padrinho. É só coincidência, mas contemplemos
o encanto do subjetivismo: Moacir é a cara do
Renato Portaluppi, nome dos gols mais
importantes da história do Grêmio.
Sigamos com as reverências do
espirituoso acaso: Meu avô faleceu em
17/12/1996. Exatos 10 anos depois, como
em um tributo dedicado a um de seus mais
apaixonados torcedores, o Inter conquistou o
Mundo.
Coincidências.)

PS: depois de investigação velada durante vários
dias, aos 45 minutos do segundo tempo, surgiu a
versão do co-protagonista da história que conta não
ser o fim do jejum gremista, mas sim a conquista
do hepta em 1968, o pano de fundo para a história
relatada. Foram fontes discordantes e não o meu
coloradismo tentando inverter as coisas, acreditem!
Mesmo assim, o texto continuaria a ser uma adaptação
sob o fato mais importante. O que, de fato, aconteceu.

domingo, 20 de julho de 2008

Estava eu... desaparecido à meses

Mesmo sem perceber, a tecnologia muda a nossa vida, e cada vez mais rápido. Eu, que sempre me considerei um “expert” por saber programar um vídeo cassete ou reinstalar o Windows 98, quem diria, estou ficando obsoleto.

Um exemplo clássico: Não ando mais com dinheiro na carteira. Simples, tudo aceita cartão: Padaria, buteco, posto, sorveteria, locadora, xis, quiosques de praia, etc... Meus amigos dizem que até aquelas meninas que ficam nas esquinas andam aceitando cartão, mas eu acho que é lenda. Até tele-entrega, o que parecia impossível, estão aceitando cartão. Utilizam um sistema Wireless de comunicação com o serviço e, plim, motoqueiros com uma máquina de cartões na moto.
Isso, como toda mudança, me gerou um novo problema: O excesso de canhotinhos das compras na minha carteira. Já peguei um táxi sem dinheiro, achando que o volume na minha carteira era notas, quando na verdade eram os inúteis canhotinhos. O taxista não aceitava cartão, então tive que passar em banco durante acorrida.
O pior, é que essa papelada toda não serve para nada além de aumentar o desmatamento. Porque, se for débito, já foi embora da conta mesmo, para quê controlar? E se é crédito, vem descrito na fatura, Tim-tim por Tim-tim.

Outro exemplo é celular. Até 2 meses atrás andava com um modelo simples, muito simples, que só servia para falar mesmo. Entretanto, estava velho e dando sinais de que não agüentaria o tranco por muito tempo. Corri na frente para não ficar na mão e procurei nas lojas um modelo simples novamente. Alguma coisa que desse para falar e nada mais, o que devo afirmar que não existe mais. Comprar celular para fazer ligações é coisa do passado. Inclusive comprar é coisa do passado, pois ganhei um aparelho por assinar o contrato de adesão de um plano pós-pago por 1 ano. E vem com cartão de memória, câmera, MP3 player, rádio FM e mais um monte de palhaçada.
Descobri, tarde demais, que o objetivo deles em me dar tal engenhoca era de me viciar nela. Deu certo e eu não largo mais o maldito tamagochi.
Tamagochi, inclusive, é uma coisa muito ultrapassada.

Há coisas, é claro, que demoram a mudar. O Ovomaltine do Bob’s continua sendo muito melhor que qualquer outra tentativa de milk shake da concorrência. O Habbib’s continua sendo mais barato que o McDonald’s. O McDonald’s continua sendo mais rápido que os dois. E os três nunca vão ser mais baratos e saborosos que um xis, daqueles da beira da faixa.

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Semana que passou levei a família ao Habbib’s para um momento “papocomidabrincadeira” muito divertido. Aproveitamos o atendimento péssimo e o brinquedo que distraía as crianças para um encontro quase à dois.
Com cerca de 40 minutos de atraso, enquanto a Faby aproveitava a sobremesa e as crianças voltavam aos brinquedos, o meu pedido chegou.

Depois de degustado o acepipe, uma incrível dor de barriga me tirou às pressas da mesa. Inclusive, algo que sempre me acontece em restaurantes. Após devidamente relaxado e aliviado, percebi a falta macabra de algo no sanitário, algo que nunca pode faltar. Pedir ajuda foi meu primeiro pensamento, mas o celular ficou na mesa. Após pensar por instantes de pavor, descobri um uso inusitado para todos aqueles canhotos na minha carteira.

Na hora da conta, descobri o último reduto que não aceitava o meu cartão.

sábado, 17 de maio de 2008

Estava Eu... chineleando

#1
Amor ralo: reles paixão, um rolo qualquer.
Só rala-e-rola. Relo eu, relas tu.
União de ralé.
Rola pelo ralo.
Rola? Te rala e procura outra.

#2
Cursinho de Inglês, livro 1. A professora escolhe o aluno e começa o conversation.
- Do you wanna fuck me?
- Como assim?
- In English, please...

#3
- Cláudio, você que é consagrado como o grande estandarte da poesia na MPB, de que forma vê as letras dos músicos em destaque atualmente, repletas de palavrões e vazias de lirismo ou reflexão?
- Eu acho essas porra tudo umas merda!

#4
"Eu me viro", disse a mulher de rosto pouco belo mas traseiro de generosas curvas, explicando a uma amiga como se sustentava.
"Levando", respondeu em outra oportunidade à mesma pergunta e emendando outro assunto.

sábado, 5 de abril de 2008

Estava eu... em Mar Revolto

(em texto direto perdia a formatação :P)

quarta-feira, 12 de março de 2008

Estava eu... em frente à páginas em branco

Ter o word assim, aberto na minha frente, completamente em branco me olhando. Ou mesmo uma folha pautada qualquer, debruçada sobre a mesa em meio a lápis e caneta. O desafio de tornar aquilo humano é o suficiente para me tirar do real.

A busca pelo que já estava ali, sem ser percebido, imaculado pela correria ou pela falta de atenção. A sede de tirar o que me incomoda das entranhas e expulsa-lo para o mundo, sem qualquer vestimenta hipócrita ou adorno verbalizado. Transformar o verbo em sentido do movimento literário, alterar as sensações e comprometer os olhos dos desavisados.

Sempre tenho algo nas vísceras, uma opinião ou uma reclamação. Acho que humano é quem se relaciona consigo mesmo, e principalmente quem torna essa relação interessante.

E mesmo que algo me falte para molhar a ponta da língua, que o estômago vazio venha a impelir o vômito literário. Mesmo que sobre muito pouco de mim para dizer. Mesmo assim, dize-lo-ei, nem que seja para mim mesmo.

Sou um eterno rascunho de mim. A busca pelo original é uma eterna mentira.

quinta-feira, 6 de março de 2008

Fab Four em Cachoeirinha

Olha, guri, acho que eu nunca te contei: ocorreu no final dos anos 60 e eu juro por Deus! Os Beatles estiveram em Cachoeirinha!

Quem os trouxe foi Thiago, fã e engenheiro de som deles desde que foi morar em Liverpool. Nessa época os Beatles andavam muito cansados de toda aquela loucura da "beatlemania", tanto que já há algum tempo haviam deixado de fazer apresentações, preferindo se dedicarem exclusivamente ao trabalho de composição. A idéia de ir para bem longe da Inglaterra e descansar um pouco viria a calhar. Não foi, portanto, tão difícil convencê-los a viajar para cá e permanecerem por quatro dias. Mesmo assim, a recomendação era a de virem para Cachoeirinha escondidos, sem divulgação alguma na imprensa, e de forma reservada para não chamar atenção. O Paul foi o único que exigiu certa dissuasão. Argumentava ele, preocupado: "Mas será que não vão nos reconhecer por lá, não?" Ao que o Thiago respondia sempre, confiante: "Ninguém vai saber, deixa quieto!" "Deixa quieto, Paul!" Aliás, nascia ali naquele instante a idéia para a composição de Let It Be.

Decididos, os quatro rapazes de Liverpool mais a Yoko (sim, ela insistiu em vir dizendo que tinha parentes em Gravataí) chegaram em Cachoeirinha numa sexta-feira, final de tarde. Que tranqueira!, tu não vai me acreditar. Mas chegaram bem os Fab Four e a oriental esquisita. O George e o Paul usavam perucas, os outros 3 boinas e chapéus, todos óculos. Foram instalados num hotel modesto, ali na esquina da Anápio Gomes, sabe? Onde o vô aqui caçava as tchanga... Mas o engraçado do tal hotel é que os atuais donos se vangloriam de terem hospedado o Quico do Chaves certa vez. O Quico falso, né?! Um mexicano que fazia show em circo. Hospedaram os Beatles e até hoje não perceberam...

Mas viu, ô guri. Olha aqui pro vô! Quê que eu tava falando mesmo? Ah tá...Aí tem umas coisas desses dias que eu me lembro porque eu era amigo do Thiago desde antes de ele ir pra Liverpool. E o que eu não sei por testemunho foi porque ele me contou. No mesmo dia em que chegaram, os visitantes quiseram aproveitar a noite pra conhecer a cidade. O Ringo por exemplo foi conhecer o Regina. Logo se enturmou com o pessoal e virou destaque no bailão. Até se enamorou por uma velha amiga minha que já falava inglês fluentemente na época, a Paula. Não lembro se a Paula correspondeu o interesse mas sei que gostou de conversar com ele. Trovaram, dançaram, trovaram, dançaram... E o mais engraçado não era tanto o rebolado desajeitado do Ringo, mas mais vê-lo tentar pronunciar "Nova Trento" e nunca conseguir.

O Paul se mandou pro Arca. Ouviu que haveria apresentação de uma banda local e, fominha por música como ele, quis conhecê-la. Era a Metamorfose que tocaria naquela noite em que a renda seria direcionada para as obras do Seu Noé. Paul só usava óculos escuros para disfarce mas mesmo assim passou despercebido. Detalhe que a Arlise, madrinha do teu pai, tava lá naquele dia e não o reconheceu. Imagina só! Depois de rolar a terceira música do show, Paul se entusiasmou e levantou da mesinha apertada junto ao palco para aplaudir a banda, o que chamou a atenção do Lula, guitarrista da Metamorfose. Show terminado e o músico local foi ao encontro do Macca:
- Meu, não sei se é porque tá muito escuro aqui mas tu é a cara do Paul McCartney!
- Paul? Paul is dead, man!
A piada pareceu sossegar a curiosidade do músico, que riu e se dirigiu ao bar do recinto: o típico humor inglês salvou um dos Beatles de um possível tumulto.

O John queria conhecer um pouco do astral da juventude cachoeirinhense e então decidiu-se por ir com o "grude" pro postinho na Del Rey do Thiago. Para incrementar o figurino e se confundir com os nativos vestiu uma camisa do Veranópolis e chinelo, sem esquecer de pôr no bolso o gravador onde costumava guardar possíveis idéias para novas canções. Ficou lá olhando para aquele pessoal ouvindo a todo volume algo que ele nomearia depois de "a lot of shit". "A lot of short dicks!", exortaria minutos depois John a Yoko, já entediada de tudo aquilo também. Iriam embora não fosse John olhar para um canto do postinho e perceber que uma alma autêntica se encontrava por ali, cantarolando algo alheio a toda àquela barulheira. Era o Zé Louco. O John se aproximou do Zé, que por sua vez notou que alguém vinha em sua direção. Eu nunca soube o que conversaram nem em que idioma se comunicaram mas sei que quem estava perto dali via faíscas e luzes rondarem aqueles dois. Algo transcendental ocorreu ali, guri... Algo além da nossa compreensão. Um pequeno trecho daquela conversa seria depois usada em Revolution #9. Pode ouvir, perto do minuto sete dá pra identificar bem...

Já o George... Bom, o George também queria conhecer um pouco da noite de Cachoeirinha, mas tropeçou num dos buracos das calçadas da Flores da Cunha e torceu o pé. Acabou voltando ao hotel e por lá ficou.

Chegava o quarto dia da passagem dos quatro rapazes de Liverpool em Cachoeirinha e eles haviam conseguido atingir seus dois objetivos: descansarem suas mentes e ocultarem suas identidades. Pouco antes da hora de voltarem à Inglaterra, no entanto, num lampejo de entusiasmo por uma apresentação unida à recém formada afeição pela pequena cidade da Grande Porto Alegre, decidiram pôr fim aos disfarces e presentear os locais. Sentiram que era hora de pôr fim àquele hiato com uma idéia genial! Um show, de surpresa, em cima do Barriga Verde! Foi assim: um instante e lá eles estavam no alto do prédio tocando o primeiro acorde de A Hard Day's Night. Das pessoas que passavam pela Flores da Cunha, primeiro, vinha o estranhamento; num instante, a surpresa e o reconhecimento de que eram mesmo os Beatles lá em cima; depois, a inevitável histeria das fãs enlouquecidas numa multidão que se formava. A Arlise e a Paula mesmo: ensandecidas, encharcadas com as próprias lágrimas e aos berros pelos quatro rapazes. Não fossem o Emerson e o Nuñes pra segurá-las e elas davam um jeito de escalar o prédio! Só não tava a tua vó lá, porque naquela mesma hora da tarde passava um especial do Jorge Ben na TV e ela não perderia "pra estrangeiro nenhum", palavras dela. Mas o resto da cidade... Bah, guri! Em cinco minutos e a notícia do acontecimento voou, lotando completamente a avenida. Tiveram até que chamar PM, claro, pra conter os mais exaltados. Foi uma tarde inesquecível, e aquelas 10 canções tocadas pelo Fab Four permaneceram e permanecem até hoje na cabeça dos que presenciaram o momento histórico...

Nos dias que se seguiram ao show e à volta dos Beatles à Europa, me lembro muito bem do clima nas escolas, nos escritórios, nas esquinas, em qualquer lugar desta cidade. Dando eco ao despretensioso trocadilho de John dias atrás no meio de uma canção, era estranho e bonito, todo mundo cantando baixinho: "Little Fall Forever".





Série especial de ônibus que a Vicasa pôs em circulação em 1970

terça-feira, 19 de fevereiro de 2008

Estava Eu... confuso

(da série "vai esse mesmo")
(Do Baú.)

Segredo

É segredo dizer pra você
Que eu te amo sem mesmo saber
Se o que eu respeito em dizer
É verdade ou é falso querer...

É que já me enganei um bom tanto.
Que pra mim perdeu-se o encanto.
Do amor tiro-lhe o manto
E volto quieto pro meu canto.

terça-feira, 29 de janeiro de 2008

Estava eu...contra a cultura

Ai, eu queria realizar o caos da tua sintaxe, metamorfosear a tua forma, fazer de ti um gago, subverter a tua língua.

Ai, mas o que hoje consigo é beijá-la.

terça-feira, 15 de janeiro de 2008

Estava eu... sendo repreendido!

- Ah, é claro! Me observas como se me conhecesse. Tire esse sorriso de injúria da cara, me deixe sozinho, por favor.
- Tu não queres ficar sozinho... confie em mim.
- Eu sei o que quero...
- Sabe mesmo? Acho que não. Tu não querias a Simone antes? E agora, queres a irmã dela... És um eterno insatisfeito.
- As coisas mudam, assim como eu evoluo.
- Evolui em direção de quê? Esta eternamente voltando ao mesmo ponto, não consegue deixar a adolescência.
- Hey, se veio aqui para me criticar, é melhor me deixar sozinho! Estou avisando..
- Tu que me procuraste, sempre me procuras... ora bolas... Tu só pode estar ficando doido.
- Porque ela nega minha companhia? Será que Adriana não me acha atraente?
- Ou será que é porque a irmã não perdoaria uma traição da mais nova? Acorda, tu não vale tanto a pena assim.
- Tens certeza que gosta de mim?
- Nem tu gostas de ti... está te maltratando com essas paixões de auto-afirmação.
- Sempre foi assim... quando acho que estou por cima, caio um tombo homérico.
- É porque não sabe administrar sua própria vitória. Basta sentir o aconchego de estar numa boa, amado, em boas mãos, que já quer se lançar em algo mais emocionante.
- Tens razão... eu sou um imbecil.
- Não seja duro... apenas realista. Talvez ajude na próxima vez... Ou próximas vezes.
- Quantas vezes terei de errar para aprender?
- Só tu podes decidir isso... decida logo.
- Vou tomar uma ducha... me espere aqui.
- Como se eu pudesse ir à algum lugar.

Eduardo se dirige ao banheiro, com sua toalha e cuecas no ombro. Sua pedra de estimação o espera pacientemente na cômoda, para uma próxima conversa.