terça-feira, 10 de abril de 2012

...sendo cobrada

Vou avisar vocês: esta preguiça de buscar a felicidade por conta própria vai acabar com o amor.

Vejo minhas amigas namorando, casando, separando e casando de novo. O engraçado é que quase nunca as vejo entre um relacionamento ou outro, pois quando ligo para convidar pra sair, não podem, pois o “amor” vai visitá-las hoje. Não consigo entender se essa eterna busca de alguém que as faça felizes é carência, medo da solidão ou apenas preguiça de tentar ser feliz sozinhas.

Na matemática seria: pessoa (-1), alguém pra completar (+1). Pelos meus cálculos, a realização afetiva estaria em (0), ou seja: “ter alguém” foi substituído pelo “alguém que me complete”. A tentativa de buscar a felicidade por conta própria é inversamente proporcional à seletividade: acaba-se aceitando qualquer (+1) por pressa.

E como doar amor quando não se tem o próprio? Como fazer alguém feliz, quando não se é? Não se pode nem dividir. É esperar eternamente pelo outro. É viver dependente e ser feliz com zero. E quando o zero não é o bastante, troca. E cada vez mais rápido.

Ou eu quero demais ou está todo mundo se contentando com pouco. Devo entender nada de amor, de relacionamento ou de matemática.

domingo, 8 de abril de 2012

Estava eu... na terceira pessoa

Tinha dez anos quando as dores começaram. Sentia uma neblina em seus olhos diante daquele mundo de estranhezas. Refugiava-se apoiando as mãos nos olhos fechados, era quando enxergava os labirintos e mais nada, assim ficava por horas.

Sua mãe a levou ao médico e disseram que a menina precisava de óculos, chamaram sua neblina de astigmatismo (gostara de palavras novas e esquisitas, inclusive daquela). O tempo passou, e ela sentiu que a neblina não passava – pior, ela tomava conta de seu corpo. Suas pernas suas mãos seu peito sua garganta – um desespero que explodia em noites de lágrimas insones.

A menina cresceu mais um pouco e levava consigo as dores e a neblina. Certo dia, no colégio, caiu-lhe nas mãos uma água viva que fez queimar seu corpo por dentro. Era o sol de Clarice.

quarta-feira, 4 de abril de 2012

...lendo a lenda

Então você gosta de arte?

Até gosto, mas não tenho dom! Minha última tentativa de entrar para o meio artístico foi quando desenhei uma árvore e rodei no exame psicotécnico da auto-escola. Acredite! Não fiz o risco do chão. Foi uma sorte eu não ter conseguido a habilitação: sofro de síncope reflexa.

O que é isso?

É a perda repentina da consciência, um desmaio, apagão, "tilte", o tico se desliga do teco por alguns minutos. Eu seria um grande risco no trânsito.

Mas vamos ao que interessa. O que eu devo fazer?

Primeira coisa: relaxa! Vamos tomar um café, andar pela casa, pelos quartos, pela varanda, pelo jardim... Depois você veste a roupa que se sente melhor, ou não veste nada. Com todo o respeito: eu prefiro assim. Acho mais natural. Como combinamos, tudo será do seu jeito.

Cores, sabores, filmes, trabalhos, tecnologias, tudo... desde que nasci, tudo foi do meu jeito. Sou imperativa demais. Por isso te contratei. Quero saber como sou vista por quem não me conhece, não por mais alguém que eu consiga manipular. [Silêncio] Vamos trabalhar, antes que eu fale alguma besteira e você já me ache divertida! Quer que eu tire a roupa mesmo? Se for para você não achar que eu sou o que eu visto, eu tiro!

Vou colocar uma música pra você relaxar! O que você prefere?

Vodca! Pra relaxar, vodca!

Falava de música! O que gosta de ouvir?

O que você quiser, hoje você que escolhe.

[E ao som do absoluto pop barroco, por parte dele e da vodca, sem gelo, por parte dela, se encontraram todo final de tarde, durante três semanas.

Só um acordo foi feito: a pintura só seria vista depois que a tinta estivesse seca.

Seis meses e 25 dias depois da última dose de vodca sem gelo bebida naquela sala, no horário marcado, a campainha do velho casarão não tocou.

Nem tocaria.

O estilo “futurista” do pintor nunca foi tão literal]



Observações:

1- Paul Steck não era futurista.

2-Ophelia não gostava de vodca.