terça-feira, 29 de maio de 2007

Estava eu... entre minutos e segundos.

Sete, oito horas de trabalho, e ele havia terminado o que tinha para fazer.

Mas que faço agora, meu Deus?

Trabalhava em casa, como ainda faz, e não havia planos para aquele breve período de ócio que o dia lhe oferecia, como que ainda lhe dissesse: "Que reclamas, se te dou algumas horas para não dizeres que gastas mal a vida, e estás parado?"

E ficou parado, sentado sobre a cadeira giratória que lhe auxiliava muito na hora de pegar os papéis e os documentos e o telefone e tudo mais que se encontrava tão longe...tão longe... tão distante de como ele gostaria que fosse.

Não bateu ninguém à porta a perturbá-lo, não ligou televisão ou rádio, não disse nada nem a si mesmo nem a Deus. Ficou quieto, pensando, e não chegando a conclusão alguma, como sempre.

Que fazer agora, meu Deus?

Divagou sobre como venceria aquelas poucas horas, indeciso entre o fútil e o erudito, sempre a acolher-se da eterna incompreensão sobre a finitude e o patético da vida e do universo, e à procura de um abrigo e de um sentido para alguns minutos e segundos.

sábado, 12 de maio de 2007

Estava Eu... levando um peteleco.

Ele não era o único a estar ali, no meio da Praça Brasil, a se apoiar na ponta dos pés, para ver o que todos queriam ver. Iria perder essa oportunidade? Claro que não... Tudo mais poderia ficar para depois, e era perfeitamente justificável apertar o pause e matar a curiosidade, saciar a euforia de ver algo que não acontece todo dia por essas bandas. Ele e milhões, atentos a cada movimento, seguindo aquela atração ímpar que se desenvolvia ante seus olhos.

Nosso amigo seguia se esticando todo para enxergar o incomum quebrando a monotonia dos dias na Praça Brasil quando, do nada, sente uma pequena dor em sua orelha direita. Demora até tomar consciência, já que desfocar a atenção que se dava exclusiva ao espetáculo público não aconteceria de imediato. Deu de ombros. "Pode ter sido um mosquito", pensou o nosso amigo, que já voltava seu corpo e sua mente para a atração de milhões como ele.

Entretido, o nosso amigo já nem lembrava do que teria causado a dor na orelha direita quando sente algo, desta vez na orelha esquerda. Olha para trás, para os lados e desta vez consegue entender claramente: levara um peteleco na orelha, um peteleco bem dado, daqueles que dóem mesmo. Olhou nos rostos dos que o acompanhavam na multidão mas não achava expressão suspeita. A averiguação não durou mais que 10 segundos. E 10 segundos já era muito tempo perdido para o show na Praça Brasil que, afinal, teria ocorrido quando pela última vez? 10 anos atrás? Ora, nem Copa do Mundo demora tanto!

Já estava morto qualquer desejo de descobrir quem lhe dera os petelecos ante o brilho do espetáculo quando nosso amigo de órgãos auditivos vermelhos leva um tapão na orelha direita. Era o golpe definitivo. Amigo leitor, afirmo que essa doeu bastante! Com o ouvido captando um zumbido, resultado do tapa, ele imediatamente se vira para trás e não entende. Mas desta vez nem procura um sorriso ou olhar suspeito entre os que o acompanham. O centro da Praça Brasil continua com sua atração, e nada naquele momento poderia ser mais importante do que o homem vestido de branco.

quinta-feira, 3 de maio de 2007

Estava eu... remoendo um amor antigo.


Ri-se satanás, às custas de minha ignorância
Por entre os dentes eu sussurro seu nome
Minhas mãos ao trabalho não dão importância
Somente as letras e o texto me consome

Em que diabo de vida eu fui me apanhar?
Ao léu meu peito se abre e se fere todo dia
Eu conheci o amor, então eu pude amar?
Como o amargo fel da dor me contraria!

Te esperei por dias, meses, por muitos anos
Eu quis estar contigo, em outros planos
Mas a espera me tornou vazio e sem destino
Sozinho agora, somente vivo em desatino

Cuidando das feridas que na alma me aparecem
Todo dia, com ungüentos de carinho e de saudade
Eu esbravejo, dia ou outro, aos que padecem
De mesmo enfermo, para que sumam da cidade

De queixo duro e de testa franzida de dor
Olho adiante como último recurso a não tropeçar
De que me adianta ter ainda um pouco amor
Se não me chamaste nem um dia para dançar

Minha mente se alicia ao meu coração
E me deixa sem ninguém para contar
Que um dia era feliz por ter noção
Que a cabeça foi feita para pensar

Pequeno brilho bem adiante eu pude ver
Quando achei em mim um pequeno fragmento
Não era você, nem mesmo eu podia ser
Talvez seja da paixão um último testamento

Carta de amor, que escondida era silêncio
Me enche os ouvidos e os pulmões de ressaca
Tu não sumiste sem deixar o teu fino traço
Fincado ao meu peito, como uma estaca

A despedida foi simples e o motivo foi banal
Eu devia saber mas ceguei-me de puro mimo
Envolvida agora em conjuntura carnal
Com meus poemas e minha ausência eu não animo

Amassada agora à um canto segue silenciosa
A missiva falante agora cala seu cio letrado
Minha boca que seguia um tanto temerosa
Sucumbe ao gole seco do fermentado