domingo, 19 de agosto de 2012

...perguntando quem se importa.

Ser um adulto é basicamente fácil. Tentar não morrer antes dos 21 anos é uma tarefa pouco desafiadora.

Tornar-se adulto, isso sim, poucos o fazem antes dos 40 anos. E eu percebi isso através da bebida. Até então, beber era só encher a cara e esquecer o depois. Entornar o caldo era permitido, e se vomitar ou molhar as calças era parte do processo. No outro dia, se eu não lembro é porque não aconteceu! 

Hoje, mesmo depois de várias cervejas, a realidade está sempre ali à espreita. É só desviar o olhar e perceber que ela está bem perto, me controlando sem que eu perceba. Nunca mais consegui beber tranqüilo! 

Afastar a realidade depois dos 30 já não é simples. Porque afastá-la? Sento à sua companhia e sirvo um belo copo suado de cerveja. Me abrirei com a realidade todo fim de semana de folga.

sexta-feira, 3 de agosto de 2012

Estava eu...continuando uma história.


Trechos anteriores>

A "mijada" - figura de linguagem chula demais para (perdôem-me a falta de modéstia) tão eloquente argumentação - respingou em todos. Houve os que já pensavam o mesmo de antemão; os que não haviam pensado a respeito e agora pendiam para a ideia há pouco defendida; e alguns que não concordavam de fato com a ideia de se lançar um livro, mas que tiveram suas convicções balançadas pela "bem fundamentada divagação". Ficaram impactados a ponto de demorarem alguns segundos a mais do que seria normal para que, enfim, abandonassem momentaneamente a reflexão do assunto à mesa e percebessem que eu estava estatelado no chão e precisava de uma mão para levantar.

Em outros tempos (ou com outras atmosferas anímicas), haveria até alguma jocosa e amigavelmente debochada risada ante o acontecido, mas as ideias expostas ainda estavam tomando a todos com alguma seriedade atraente, das que trazem frio à barriga e incerteza, das que suscitam vaidade, insegurança, vislumbre - tudo misturado - e que resultam em introspecção momentânea inabalável, mesmo em meio à multidão.

Fui ao banheiro com pouca ideia do que poderia ser feito com aquela calça molhada de cerveja - e que poderia ironicamente fornecer aos menos lúdicos um véu de literalidade à figura de linguagem "mijada". Restaram à mesa meus amigos a refletir, silentes, a despeito da batata gordurenta que esfriava em guardanapos de tom cinzento.

Alguns minutos depois todos voltavam a falar de amenidades da vida, cada vez mais atribulada para todos ali pelo passar dos anos. Surgiram uma e outra piada de tom despretensiosamente anarquista, com o espírito "no-future" estampado. Daí para alguma reflexão sobre o sentido da existência foi um pulo. Surgiu à mesa, como que esperando um parecer sobre originalidade por partes dos demais, a seguinte metáfora:

- Estamos andando em uma gigantesca esteira ergométrica. E a ideia mais sensata (entre as existentes), parece ser a de andar para frente. A esteira está ajustada, digamos, para a velocidade de 12 km/h. A pessoa nesta esteira consegue, mesmo que se esforce muito, mesmo que faça tudo certo, andar/correr a 10 km/h. Poderá se esmerar o quanto puder, construir o que for, se aprimorar, planejar... mas um dia, irremediavelmente, mais cedo ou mais tarde, será vencido pela esteira, não conseguindo acompanhá-la. E cairá.

Outro se manifestou, enveredando o sentido da conversa para o metafísico de forma provocativa.

- E quando se cai da esteira, se cai para o céu ou para o inferno?

Uma terceira pessoa toma a palavra, mudando mais uma vez o foco da conversa:

- Sobre Inferno, Céu... Sei lá, eu acho que o Diabo é o irmão mais velho - e de bom coração - de Deus. Pensem comigo: como Deus é "de menor", seu irmão benevolente assume todas as burradas e maldades que o caçula causa ou permite, sendo este consumido em sua eterna e "triônica" vaidade e autossuficiência. O Diabo, por sua vez, é condescendente com o irmão rebelde e incorrigível, pois o ama.

- Triônica?

- Sim, são três "onis": onipotência, onisciência e onipresença.

- Ah! hahahaha. Eu tinha isso antes de começar a faculdade.

- Acho que Deus permite tragédias para que os infelizes fiquem constrangidos em se queixar de suas vidas.

- Tu e tuas heresias! rs. Tu não és ateu?

- Agnóstico!

- OK, gente, prefiro falar sobre o quanto é bom ouvir "Searching" do Joe Satriani. Conhecem?

- Essa eu não conheço.

- Um orgasmo de 10 minutos!

- Hum... Eu conheço essa música. É boa e tudo... Mas tem muitas partes lentas e “desanimadas”, de modo que acho a analogia um tanto frágil.

- Já ouviu falar em Tantrismo?

- Rá!

Seguiram-se outros assuntos, piadas, divagações, trocadilhos infames, dentre os quais sobreviveram à ressaca do dia seguinte em minha memória as seguintes:

"A marcenaria do lado da minha casa entoa uma introdução eterna de "I Feel fine" dos Beatles."

"Viaduto é um pub pra pessoas 'diferentes'."

" 'O mecanismo da dor é imprescindível pois é um sinal do organismo de que há algo errado'. Ah, vai tomar no cu! Porquê não acende uma luzinha avisando? O sujeito com a mão decepada, já percebeu que a coisa é grave, e mesmo que trate terá que aguentar a dor um tempão!"

"Seria 'A Luz de Tieta' uma música com apoio de Caetano ao grupo terrorista ETA de forma subliminar? Ouçam o refrão..."

"Sou a favor de um Campeonato Mundial de gangues e grupelhos. KKK, Comando Vermelho, Ira, PCC, Hamas, Nazifascistas, skins, todos presos a confrontos eliminatórios, uns matando os outros, num reality show, para deleite dos espectadores."

"Quem não deve, teme sim!"

"Tenho medo do Abraão Winogron dizendo 'Venha!' "

"O que eu mais queria era dar um mosh na felicidade."

Da despedida dos amigos, na fria noite, lembro-me de ter acenado para todos com um maroto: "OK! Então comecem a selecionar seus textos pro livro!"

E entrei no ônibus iluminado, pensando se acordaria doente no outro dia por causa da calça molhada de cerveja, e que naquele inverno rigoroso secou a muito custo, ao longo do tempo em que desfilavam na mesa de plástico amarelo copos, pensamentos, azeitonas, infâmias, sanduíches, risadas e a noção de eternidade boa que a noite e a falta de obrigações no dia seguinte trazem.

Em casa, lembrei-me de uma pessoa que não comparecera ao bar. Era tarde: não iria ligar. Então mandei e-mail:

"oi, tudo bom? como tu tá? pq não foi?"